terça-feira, 6 de março de 2007

Miocárdio Pedido XVIII - Isabel



[FIESA - Cidade de Areia, Pera - Algarve 2006, FF]

"Quanta luz terá ela escondido dentro de si?
Quanta emoção, quanta paixão guardará cuidadosamente no mais íntimo do seu ser?
Quanto calor existirá por descobrir dentro daquele corpo magro?
Quanta vida viverá oculta naquela rapariga que nem vida parece ter?
Em que pensa a rapariga que, ausente, esfrega o vidro do balcão?
É sempre a última do seu turno a sair."
Isabel in 'Começar de Novo'


O Miocárdio desta madrugada vai para esta grande Senhora de seu nome Isabel.
Meus amigos, eu tenho para mim que um dia ainda vão ouvir falar dela.
De uma escrita encantadora e ao mesmo tempo agressiva.
Com os quês nos sítios.
Eu perco-me por lá....


Miocárdio Pedido ao som de Everything's Not Lost By Coldplay


14 comentários:

rui disse...

Olá Estranha Pessoa

Já tive o prazer de ler escritos da Isabel, são na verdade muito bons. É um génio que está nascendo ou melhor já nasceu.
Homenagem mais do que merecida à nossa querida Isabel.
E, há mais, a Isabel já esteve na Madeira onde foi muito feliz.
Aproveito para dar um grande beijinho à Isabel.

Para ti, Estranha, que estás sempre atenta a este desabrochar de sensibilidades que andam vogando no meio de nós, um grande abraço...
do senhor do mar

Isabel disse...

Oh Estranha,

Que presente maravilhoso!

Estou sem palavras, logo eu ...!

O que me ofereceste é das mais bonitas ofertas, das mais bonitas surpresas que alguma vez tive.

Não é tanto o ver aqui, neste teu espaço que sabes que adoro, um excerto de um texto meu, é essencialmente saber que tu, uma grande Senhora que alem de grande me é especial, gosta de me ler.

Isso vale para mim mais do que possas imaginar.

Como eu acredito em coisas “estranhas” e me deixo seguir por “estranhos” instintos que o meu ser não menos “estranho” me faz seguir, soube assim que li o nome que escolheste para ti própria e os títulos que deste aos teus dois sítios que estava perante alguém, ser, pessoa que me ia interessar.

Foi mais que isso… a tua “estranha” mão toca-me no coração vezes sem conta, a tua escrita mexe-me, toca-me, comove-me, e revolve-me. Faz-me pensar e repensar, sentir e ressentir…

Aqui… eu encho-me, absorvo e sugo até ao tutano tudo o que tens para dar.

E cada vez tu dás mais…

Grande senhora és tu… e cada dia com agrado te vejo tornar maior.

Muito obrigada, do fundo deste meu também “ estranho” coração, do alto desta minha também “estranha” alma.

Acabas-te de me tornar a mim um pouco melhor.

De lágrima no olho, sorriso nos lábios e mãos vazias aqui estou sem palavras sem nada para te oferecer senão o bater do meu coração.

Neste momento estranha este meu estranho coração bate para ti.

Obrigada pela alegria que levo daqui, as imagens, o texto, a música… tudo entrou em mim e cá guardarei com o maior carinho.

Também me perco por aqui, foi tão especial hoje encontrar aqui um pouco de mim.

Muito, muito, obrigada.

Isabel

Pierrot disse...

Isabel é grande
Isabel é enorme
Isabel é arte
Mais dia menos dia, veremos Isabel num qualquer escaparate de mãos dadas com o sucesso da literatura.
Boa homenagem
Bjos daqui
Eugénio

Isabel disse...

Estranha,

Aqui continuo eu com o coração a bater agora cada vez mais... por sentir mais e mais o que tu e o que outros "amigos" através de ti me estão a oferecer.
Quis fazer-te mais uma oferta.
Depois do poema maravihoso de Walt Whitman que te ofereci ontem ... hoje um grande, grande poema do gigantesco Álvaro de Campos dedicado a Walt Whitman e que eu te dedico a ti.
O poema é sublime!
Saudação a Walt Whitman


Portugal-Infinito, onze de junho de mil novecentos e quinze...
Hé-lá-á-á-á-á-á-á!

De aqui de Portugal, todas as épocas no meu cérebro,
Saúdo-te, Walt, saúdo-te, meu irmão em Universo,
Eu, de monóculo e casaco exageradamente cintado,
Não sou indigno de ti, bem o sabes, Walt,
Não sou indigno de ti, basta saudar-te para o não ser...
Eu tão contíguo à inércia, tão facilmente cheio de tédio,
Sou dos teus, tu bem sabes, e compreendo-te e amo-te,
E embora te não conhecesse, nascido pelo ano em que morrias,
Sei que me amaste também, que me conheceste, e estou contente.
Sei que me conheceste, que me contemplaste e me explicaste,
Sei que é isso que eu sou, quer em Brooklyn Ferry dez anos antes de eu nascer,
Quer pela Rua do Ouro acima pensando em tudo que não é a Rua do Ouro,
E conforme tu sentiste tudo, sinto tudo, e cá estamos de mãos dadas,
De mãos dadas, Walt, de mãos dadas, dançando o universo na alma.

Ó sempre moderno e eterno, cantor dos concretos absolutos,
Concubina fogosa do universo disperso,
Grande pederasta roçando-te contra a diversidade das coisas,
Sexualizado pelas pedras, pelas árvores, pelas pessoas, pelas profissões,
Cio das passagens, dos encontros casuais, das meras observações,
Meu entusiasta pelo conteúdo de tudo,
Meu grande herói entrando pela Morte dentro aos pinotes,
E aos urros, e aos guinchos, e aos berros saudando Deus!

Cantor da fraternidade feroz e terna com tudo,
Grande democrata epidérmico, contíguo a tudo em corpo e alma,
Carnaval de todas as acções, bacanal de todos os propósitos,
Irmão gémeo de todos os arrancos,
Jean-Jacques Rousseau do mundo que havia de produzir máquinas,
Homero do insaisissable do flutuante carnal,
Shakespeare da sensação que começa a andar a vapor,
Milton-Shelley do horizonte da Electricidade futura!
Íncubo de todos os gestos,
Espasmo pra dentro de todos os objectos-força,
Souteneur de todo o Universo,
Rameira de todos os sistemas solares...

Quantas vezes eu beijo o teu retrato!
Lá onde estás agora (não sei onde é mas é Deus)
Sentes isto, sei que o sentes, e os meus beijos são mais quentes (em gente)
E tu assim é que os queres, meu velho, e agradeces de lá —,
Sei-o bem, qualquer coisa mo diz, um agrado no meu espírito

Uma ereção abstrata e indirecta no fundo da minha alma.

Nada do engageant em ti, mas ciclópico e musculoso,
Mas perante o Universo a tua atitude era de mulher,
E cada erva, cada pedra, cada homem era para ti o Universo.

Meu velho Walt, meu grande Camarada, evohé!
Pertenço à tua orgia báquica de sensações-em-liberdade,
Sou dos teus, desde a sensação dos meus pés até à náusea em meus sonhos,
Sou dos teus, olha pra mim, de aí desde Deus vês-me ao contrário:
De dentro para fora... Meu corpo é o que adivinhas, vês a minha alma —
Essa vês tu propriamente e através dos olhos dela o meu corpo —
Olha pra mim: tu sabes que eu, Álvaro de Campos, engenheiro,
Poeta sensacionista,
Não sou teu discípulo, não sou teu amigo, não sou teu cantor,
Tu sabes que eu sou Tu e estás contente com isso!

Nunca posso ler os teus versos a fio... Há ali sentir demais...
Atravesso os teus versos como a uma multidão aos encontrões a mim,
E cheira-me a suor, a óleos, a actividade humana e mecânica.
Nos teus versos, a certa altura não sei se leio ou se vivo,
Não sei se o meu lugar real é no mundo ou nos teus versos,

Não sei se estou aqui, de pé sobre a terra natural,
Ou de cabeça pra baixo, pendurado numa espécie de estabelecimento,
No tecto natural da tua inspiração de tropel,
No centro do tecto da tua intensidade inacessível.

Abram-me todas as portas!
Por força que hei de passar!
Minha senha? Walt Whitman!
Mas não dou senha nenhuma...
Passo sem explicações...
Se for preciso meto dentro as portas...
Sim — eu, franzino e civilizado, meto dentro as portas,
Porque neste momento não sou franzino nem civilizado,
Sou EU, um universo pensante de carne e osso, querendo passar,
E que há de passar por força, porque quando quero passar sou Deus!

Tirem esse lixo da minha frente!
Metam-me em gavetas essas emoções!
Daqui pra fora, políticos, literatos,
Comerciantes pacatos, polícia, meretrizes, souteneurs,
Tudo isso é a letra que mata, não o espírito que dá a vida.
O espírito que dá a vida neste momento sou EU!

Que nenhum filho da... se me atravesse no caminho!
O meu caminho é pelo infinito fora até chegar ao fim!
Se sou capaz de chegar ao fim ou não, não é contigo,
É comigo, com Deus, com o sentido-eu da palavra Infinito...
Prà frente!
Meto esporas!
Sinto as esporas, sou o próprio cavalo em que monto,
Porque eu, por minha vontade de me consubstanciar com Deus,
Posso ser tudo, ou posso ser nada, ou qualquer coisa,
Conforme me der na gana... Ninguém tem nada com isso...
Loucura furiosa! Vontade de ganir, de saltar,
De urrar, zurrar, dar pulos, pinotes, gritos com o corpo,
De me cramponner às rodas dos veículos e meter por baixo,
De me meter adiante do giro do chicote que vai bater,
De ser a cadela de todos os cães e eles não bastam,
De ser o volante de todas as máquinas e a velocidade tem limite,
De ser o esmagado, o deixado, o deslocado, o acabado,
Dança comigo, Walt, lá do outro mundo, esta fúria,
Salta comigo neste batuque que esbarra com os astros,
Cai comigo sem forças no chão,
Esbarra comigo tonto nas paredes,
Parte-te e esfrangalha-te comigo
Em tudo, por tudo, à roda de tudo, sem tudo,
Raiva abstracta do corpo fazendo maelstroms na alma...

Arre! Vamos lá prà frente!
Se o próprio Deus impede, vamos lá pra frente... Não faz diferença...
Vamos lá prà frente sem ser para parte nenhuma
Infinito! Universo! Meta sem meta! Que importa?

(Deixa-me tirar a gravata e desabotoar o colarinho.
Não se pode ter muita energia com a civilização à roda do pescoço ...)
Agora, sim, partamos, vá lá prà frente.

Numa grande marche aux flabeux-todas-as-cidades-da-Europa,
Numa grande marcha guerreira a indústria, o comércio e ócio,
Numa grande corrida, numa grande subida, numa grande descida
Estrondeando, pulando, e tudo pulando comigo,
Salto a saudar-te,
Berro a saudar-te,
Desencadeio-me a saudar-te, aos pinotes, aos pinos, aos guinos!

Por isso é a ti que endereço
Meus versos saltos, meus versos pulos, meus versos espasmos
Os meus versos-ataques-histéricos,
Os meus versos que arrastam o carro dos meus nervos.

Aos trambolhões me inspiro,
Mal podendo respirar, ter-me de pé me exalto,
E os meus versos são eu não poder estoirar de viver.

Abram-me todas as janelas!
Arranquem-me todas as portas!
Puxem a casa toda para cima de mim!
Quero viver em liberdade no ar,
Quero ter gestos fora do meu corpo,
Quero correr como a chuva pelas paredes abaixo,
Quero ser pisado nas estradas largas como as pedras,
Quero ir, como as coisas pesadas, para o fundo dos mares,
Com uma voluptuosidade que já está longe de mim!

Não quero fechos nas portas!
Não quero fechaduras nos cofres!
Quero intercalar-me, imiscuir-me, ser levado,
Quero que me façam pertença doída de qualquer outro,
Que me despejem dos caixotes,
Que me atirem aos mares,
Que me vão buscar a casa com fins obscenos,
Só para não estar sempre aqui sentado e quieto,
Só para não estar simplesmente escrevendo estes versos!

Não quero intervalos no mundo!
Quero a contigüidade penetrada e material dos objetos!
Quero que os corpos físicos sejam uns dos outros como as almas,
Não só dinamicamente, mas estaticamente também!

Quero voar e cair de muito alto!
Ser arremessado como uma granada!
Ir parar a... Ser levado até...
Abstracto auge no fim de mim e de tudo!

Clímax a ferro e motores!
Escadaria pela velocidade acima, sem degraus!
Bomba hidráulica desancorando-me as entranhas sentidas!

Ponham-me grilhetas só para eu as partir!
Só para eu as partir com os dentes, e que os dentes sangrem
Gozo masoquista, espasmódico a sangue, da vida!

Os marinheiros levaram-me preso,
As mãos apertaram-me no escuro,
Morri temporariamente de senti-lo,
Seguiu-se a minh'alma a lamber o chão do cárcere privado,
E a cegarrega das impossibilidades contornando o meu acinte.

Pula, salta, toma o freio nos dentes,
Pégaso-ferro-em-brasa das minhas ânsias inquietas,
Paradeiro indeciso do meu destino a motores!

He calls Walt:

Porta pra tudo!
Ponte pra tudo!
Estrada pra tudo!
Tua alma omnívora,
Tua alma ave, peixe, fera, homem, mulher,
Tua alma os dois onde estão dois,
Tua alma o um que são dois quando dois são um,
Tua alma seta, raio, espaço,
Amplexo, nexo, sexo, Texas, Carolina, New York,
Brooklyn Ferry à tarde,
Brooklyn Ferry das idas e dos regressos,
Libertad! Democracy! Século vinte ao longe!
Pum! pum! pum! pum! pum!
PUM!

Tu, o que eras, tu o que vias, tu o que ouvias,
O sujeito e o objecto, o activo e o passivo,
Aqui e ali, em toda a parte tu,
Círculo fechando todas as possibilidades de sentir,
Marco miliário de todas as coisas que podem ser,
Deus Termo de todos os objectos que se imaginem e és tu!
Tu Hora,
Tu Minuto,
Tu Segundo!
Tu intercalado, liberto, desfraldado, ido,
Intercalamento, libertação, ida, desfraldamento,
Tu intercalador, libertador, desfraldador, remetente,
Carimbo em todas as cartas,
Nome em todos os endereços,
Mercadoria entregue, devolvida, seguindo...
Comboio de sensações a alma-quilómetros à hora,
À hora, ao minuto, ao segundo, PUM!

Agora que estou quase na morte e vejo tudo já claro,
Grande Libertador, volto submisso a ti.

Sem dúvida teve um fim a minha personalidade.
Sem dúvida porque se exprimiu, quis dizer qualquer coisa
Mas hoje, olhando para trás, só uma ânsia me fica —
Não ter tido a tua calma superior a ti-próprio,
A tua libertação constelada de Noite Infinita.

Não tive talvez missão alguma na terra.

Heia que eu vou chamar
Ao privilégio ruidoso e ensurdecedor de saudar-te
Todo o formilhamento humano do Universo,
Todos os modos de todas as emoções
Todos os feitios de todos os pensamentos,
Todas as rodas, todos os volantes, todos os êmbolos da alma.

Heia que eu grito
E num cortejo de Mim até ti estardalhaçam
Com uma algaravia metafisica e real,
Com um chinfrim de coisas passado por dentro sem nexo.

Ave, salve, viva, ó grande bastardo de Apolo,
Amante impotente e fogoso das nove musas e das graças,
Funicular do Olimpo até nós e de nós ao Olimpo.

Álvaro Campos

"Abram-me todas as janelas!
Arranquem-me todas as portas!" e deixem-me saudar-te querida Estranha.

António Melenas disse...

Magnífico e inteligente.este blogue!
Magnífica a homenagem que aqui prestas à Isabel. Bem a merece.
A Isabel È um ser raro, poeta da prosa,com garra, com determinação, com verdade em tudo o que escreve.
Não é uma simples promessa é valor real no campo das letras.
"Mais dia menos dia, veremos Isabel num qualquer escaparate de mãos dadas com o sucesso da literatura.", diz um comentador acima. Tenho a certeza que sim
Um beijinho pra ti e outro para a Isabel

OLHAR VAGABUNDO disse...

:)mais palavras para quê??
sim,nasce alguem aqui...
nascer é bom...
então quando se nasce de novo...
parabens menina estranha por esta justa homenagem...
beijo vagabundo

OLHAR VAGABUNDO disse...

gostei da palavra sonoro:)fizeste me sorrir:)
quando me encontrar para quê me lembrar destas palavras???

OLHAR VAGABUNDO disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
bettips disse...

Bem...vocês meninas novas põem-me doente com tanta actividade. Duas queridas, uma delas uma alegria, de topar, de imprevisto! A outra, uma doce mulher, cheia de canções dentro! Bjs

OLHAR VAGABUNDO disse...

não sou nada estranho:)acho mais os outros estranhos...
sabes,quando tinha 20 anos parei de escrever...afastei-me de mim,agora há uns meses voltei a escrever e fico confuso comigo por achar-me por vezes escuro,mesmo nao o sendo...:)e como eu digo,não te acho estranha:)acho te tu apenas....

Brain disse...

Dois blog's excelentes (este teu e o da Isabel), sem dúvida, duas pessoas que serão magníficas.

Continuem, cada uma de vós, ao vosso estilo, o vosso "trabalho".

Beijo a ambas.

as velas ardem ate ao fim disse...

A Isabel merece esta homenagem.
Escreve divinamente!

bjos para voces as 2

Estranha pessoa esta disse...

Isabel,

Espero que tenhas sentido que as imagens (tal como em todos os Miocárdios) foram escolhidas e sentidas para ti.

:)

Abraço grande **

Que continues sempre a partilhar connosco as tuas linhas e entrelinhas.

Estranha pessoa esta disse...

Adorei os Poemas.

MESMO!

Adoro Pessoa.. e já sabes que O Clube dos Poetas Mortos é um dos meus filmes de eleição.

**