[Real Fábrica do Gelo - Serra de Montejunto, 2006, FF
[Moinhos de Montejunto, 2006, FF]
«Esta iniciativa surge no âmbito da votação das 7 Maravilhas do Mundo e das 7 Maravilhas de Portugal e servirá para chamar a atenção dos Cadavalenses, dos Portugueses e dos Cidadãos do Mundo para algumas das “maravilhas” do Concelho do Cadaval.
Temos consciência de que a lista das 21 “maravilhas” escolhidas não irá agradar a todos, mas infelizmente é impossível agradar a todas as pessoas.
Contudo, estamos disponíveis para receber mais algumas para o e-mail do concurso 7maravilhascadaval@sapo.pt , que com muito gosto iremos acrescentar á nossa proposta.
Pensamos que independentemente das escolhas, seram dignas representantes do Cadaval e do seu concelho por essa blogosfera fora! »
E como habitante do Cocelho do Cadaval, e como apaixonada pela Serra de Montejunto não podia deixar de fazer um post sobre esta ideia. :)
Aqui ficam algumas das Maravilhadas sugeridas do Sítio das Opiniões.
Um dia destes recebi um e-mail, a perguntar o que era afinal a Real Fábrica do Gelo. Na altura não respondi (aqui vai o meu pedido de desculpas) mas, aqui fica a história... há até quem diga que é a única na Europa e na Ásia! Se algum entendido na matéria passar por aqui, que diga de sua (e nossa) justiça sff :)
Segundo se presume, teria sido nos princípios do século XVII, ou mais exactamente com o começo do domínio Filipino em Portugal, que entre nós se começou a generalizar o uso do gelo para a fabricação de sorvetes e obtenção de bebidas geladas.
Face às limitações tecnológicas dessa época, apenas o gelo obtido da Natureza poderia ser utilizado para aqueles fins.
Assim, não é de surpreender que no século seguinte nos surja como importante cargo da corte o de " Neveiro de Sua Majestade" criado por D. Pedro II que, como facilmente se depreenderá, tinha como função garantir que nos meses de Verão, na Mesa Real não faltasse o tão apetecido gelo para elaboração de sorvetes gelados, ou mesmo para gelar vinhos e bebidas que os costumes da época exigiam.
Com a benignidade e tempero do nosso clima, não era tarefa fácil, nas épocas quentes do ano, os meses de Julho e Agosto, obter neve ou gelo naturais, mesmo recorrendo às serranias mais elevadas e frias do nosso país - talvez apenas na Serra da Estrela. Porém , a distância da grande serra a Lisboa e o contínuo aumento do consumo de gelo que entretanto se começava a alargar para um número de consumidores cada vez maior, levou a que o mesmo fosse procurado noutros locais mais próximos.
Assim, em meados do Séc. XVIII, as Serras de Coentral (Castanheiro de Pêra) e de Montejunto, passaram a ser lugares privilegiados para a recolha, fabricação e conservação de gelo.
Vestígios dessa actividade ainda hoje se podem ver na Serra de Montejunto, numa zona conhecida por Quinta da Serra.
A Real Fábrica do Gelo, situada na vertente norte da Serra de Montejunto, constitui pela sua originalidade arquitectónica e pela sua apurada técnica de engenharia empregue na sua construção, uma autêntica preciosidade do património arqueológico industrial que vale a pena conhecer.
O recanto no qual se situa a Real Fábrica do Selo, sombrio e húmido, fustigado pela presença contínua de um vento cortante e desagradável que se levanta do Atlântico, assevera ao visitante que não foi um mero acaso a escolha daquele local para a edificação de uma estrutura destinada à obtenção de gelo. A Serra de Montejunto oferecia as condições climatéricas necessárias para a produção de gelo natural, ao mesmo tempo que apresentava a vantagem de se localizar relativamente próxima da capital.
A Real Fábrica do Gelo terá sido construída por volta do ano de 1741 a mando de João Rose e Pedro Francalanza, na altura concessionários do abastecimento e comercialização do gelo em Lisboa. De acordo com Francisco Câncio, a sua edificação teria demorado seis anos, custando a elevada quantia de 45000 cruzados, e nela chegaram a trabalhar em determinadas ocasiões cerca de cem operários.
No meado do Séc. XVIII a exploração de gelo em Montejunto estava a cargo de D. Catarina Ricard, que se ocupava do seu fornecimento à capital. A favor da concessionária emitiu D. José um alvará, datado de 18 de Setembro de 1750, concedendo-lhe especiais privilégios relativamente ao transporte do gelo desde o local onde era obtido até chegar ao seu destino. O Rei ordenava às autoridades das comarcas das terras por onde transitasse este produto que prestassem toda a ajuda e favor necessários ao seu rápido transporte, justificando a decisão tomada pela necessidade de "poder dar satisfação a este negócio tanto do bem comum de todos", trato este que implicava elevados custos de deslocação "em bestas, barcos e trabalhadores".
Em 03 de Novembro de 1759, o monarca fazia a concessão de idênticos privilégios a Julião Pereira, atendendo deste modo às queixas que lhe foram dirigidas pêlos adjudicatários do abastecimento de gelo a Lisboa respeitantes aos elevados custos e dificuldades inerentes ao transporte de um bem tão vulnerável. Era preocupação régia que o transporte do gelo se realizasse o mais rapidamente possível para que o produto atingisse a capital em boas condições de consumo. Cremos tratar-se deste Julião Pereira o indivíduo cujo nome consta na inscrição da lápide, datada de 1782, que até há bem pouco tempo encimava o portal setecentista que dá acesso ao átrio onde se situam os poços de conservação das camadas de gelo. O teor da inscrição contida na lápide (a ser recuperada) é o seguinte:
"ESTA FABRICA CO SUAS PERTESAS CÕPROU E RE
EDIFICOU JULIÃO PR° DE CASTRO CAPITÃO DE
MALTA REPOSTEIRO E NEVEIRO DA C(AS)A REAL
NO ULTIMO DE JANEIRO DE 1782
A produção de gelo na Serra de Montejunto deve ter cessado no final do século XIX(1885?), facto que embora sem confirmação documental coincide com o testemunho da tradição oral recolhida entre os mais idosos habitantes de Pragança. Esta aldeia, situada na vertente noroeste da Serra de Montejunto foi, provavelmente, a principal fornecedora de mão-de-obra à Real Fábrica do Gelo.
A Real Fábrica do Gelo é constituída por um poço, actualmente coberto, e que outrora abastecida de água um total de quarenta e quatro tanques (ou tabuleiros) amplos e rasos destinados à sua congelação. As finas camadas de gelo formadas nestes tanques calcários eram posteriormente transferidas para três poços profundos, um deles bastante grande, localizados um pouco mais acima, onde, envoltas em palha se conservavam até que chegasse o momento do seu envio para Lisboa.
Segundo António Morais, de Pragança, andavam habitualmente três homens no fundo do poço maior a calcar com maços as camadas de gelo que eram ali colocadas por meio de uma roldana, cujo gancho ainda se pode observar na abóbada dos poços.
Costumava-se dizer por graça que "quando o poço grande estivesse cheio de gelo, um dos mais pequenos estaria cheio de dinheiro." Estas histórias ouviu o Sr. António Morais serem contadas pelo pai, que trabalhava na Fábrica de sol-a-sol, uma vez que no seu tempo de meninice já não se produzia este bem em Montejunto.
A localização e a estrutura arquitectónica deste complexo de produção de gelo natural, único no género em Portugal e no Mundo, traduz o domínio de uma apurada técnica de engenharia, tanto na escolha do local onde foi implantado, como nos mecanismos concebidos para produzir e conservar o gelo.
Note-se igualmente, que a sua obtenção através deste processo constituía um notável melhoramento na qualidade e higiene alimentares. Não se tratava de neve natural, amontoada pelo próprio vento num recanto em mato e esterco de modo a ser conservada, como acontecia na Serra da Estrela, mas sim de gelo obtido por congelação natural em tanques calcários construídos para o efeito e depois preservado em poços adequados e caiados.
Próximo da Real Fábrica do Selo encontram-se ainda as ruínas de um antigo forno de cal, construção que estaria muito provavelmente relacionada com a actividade da fábrica. Além do efeito refrescante que a cal proporciona, esta seria também utilizada como desinfectante dos poços.
O transporte dos blocos de gelo, desde a altura serrana, onde eram produzidos, até ao Porto de Lisboa, constituía um processo moroso e complicado pêlos deficientes meios de transporte existente na época.
Após serem retirados dos poços de conservação, eram cuidadosamente envolvidos em palha e serapilheira, de modo a ficarem protegidos da incidência dos calores do estio. A primeira fase do trajecto, até à base da Serra de Montejunto, era feita no dorso de animais, geralmente da espécie asinina. Aqui chegados, prosseguiam viagem no interior de carros de bois que os transportavam até á Vala do Carregado onde encetavam a última etapa do percurso, Tejo abaixo, a bordo de barcos à vela (barcos da neve). Em Lisboa, podiam finalmente cumprir o seu destino perecendo na fausta mesa real ou ao balcão de um modesto café alfacinha.
4 comentários:
Adorava conhecer o Cadaval.Lindissimo me pareceu pelas fotos.
bjos
Também já por aqui andei...
Olá Estranha Pessoa
Lindas imagens.
E tudo escrito de forma bem explicita. Não faltou nada.
A fábrica do gelo chamou-me a atenção. Gostei
Aqui temos uma coisa do género, mas não com esse requinte.
Arquitectura é fantástica
Também adorei o moinho.
Fizeste um grande trabalho
Um grande abraço do senhor do mar
Olá.
O recordar de uma viagem. Brevemente voltarei a visitar a serra e aproveito para tirar umas fotos.
Fica bem.
Felicidades.
Manuel
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