Abre os olhos. Agora mesmo. Abre-os.
E percebe que falhaste. Falhaste quando desististe de ousar falhar. Falhaste
quando vendeste aos teus filhos, aos teus primos, aos teus pais, aos teus tios,
aos teus irmãos e a toda a gente que te rodeia a ideia de que não deveriam
ousar falhar, de que não deveriam olhar para a frente e andar sem saber o que
está à frente. Falhaste. Falhaste quando preferiste ficar nesse emprego de
bosta – das 9 às 18h – mesmo sabendo que nesse emprego de bosta só podes ter
uma vida de bosta. Falhaste quando pudeste, um dia, gritar numa reunião,
flatular-te num elevador, arrotar num jantar de negócios – e não o fizeste.
Falhaste quando voltaste para trás no exacto momento em que estavas à frente de
uma alienação, à entrada de uma insânia. Falhaste. Falhaste quando abdicaste de
namorar com a tua mulher só porque ela é tua mulher, quando não a levaste para
aquele motel à beira da estrada só porque temeste ser vulgar. Falhaste. Quando
se recua no momento de fazer o que tanto pode ser riso sem igual como lágrima
fatal falha-se. E tu falhaste. E continuas a falhar. Continuas nesse emprego de
bosta, nessa vida de bosta, nessa vida de casa-trabalho, trabalho-casa - com
uma telenovela e um jogo de futebol pelo meio. Falhaste quando preferiste ficar
a meio, ser quase-feliz, ser quase-gente, ser quase-ilusão. Quase que falhaste
quando falhaste – e falhaste mesmo. E até nisso, na forma como falhaste, foste
poucochinho. Falhaste em pequeno, falhaste em curto, falhaste por medo de
falhar. Seu falhado pequenito.
Pedro Chagas Freitas
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